Blog de Jornalismo Especializado, Universidade Lusófona Porto

09
Jun 11

Elvira Calvo, actual docente da Universidad Complutense de Madrid, esteve presente na última aula de Jornalismo Especializado para falar sobre as origens e o percurso do jornalismo económico em Espanha, tanto na imprensa e na rádio como na televisão. Referiu que a internet veio provocar alterações no panorama do jornalismo económico, através do jornalismo digital e dos blogues de especialistas nesta área, e que a formação académica dos jornalistas que pretendem fazer jornalismo na área da economia, é muito débil. A especialista na área da televisão e da economia mencionou ainda a influência que as ideologias políticas têm no jornalismo generalizado espanhol.

 

A convidada trabalhou durante vários anos na rádio, numa agência de informação e, até ao ano passado, ainda exercia a sua profissão de jornalista numa televisão em Espanha. Resolveu deixar a televisão para se dedicar exclusivamente ao ensino universitário.

 

                                                                      

 

Origem e percurso da informação económica em Espanha

Segundo Elvira Calvo, a economia foi reconhecida como informação especializada por volta de 1950 nos EUA, mas muitos anos antes, nos séculos XVII e XVIII, tinham já surgido as primeiras crónicas sobre esta matéria. Na Europa, mais precisamente em Espanha e Portugal, foi só nos anos 80 do século XX que se deu o verdadeiro “boom” económico e que esta área se desenvolveu com um corpo formal mais consistente. Foi neste período que também deflagrou o comércio nestes dois países europeus, que até meados dos anos 70 estiveram sob ditadura política. Começaram, então, a surgir nas edições impressas dos jornais generalistas de domingo, suplementos com notícias sobre economia, impressos num papel salmão que se destacava do restante jornal. Estes suplementos com informação económica foram surgindo de forma cada vez mais generalizada na Europa. A imprensa económica ganhava destaque tendo como destinatários os empresários e os homens de negócios.

 

Ainda na década de 80, a televisão e a rádio começaram a contemplar a informação económica. As notícias sobre economia, transmitidas nas televisões espanholas, eram totalmente proibidas durante o período da ditadura de Franco. Durante esse período, nenhuma informação sobre economia podia ser transmitida em Espanha, nem tão pouco existiam sindicatos. Com a queda da ditadura, o desenvolvimento económico e o surgimento dos sindicatos, as pessoas da classe média começaram a interessar-se pela economia, pelos valores do mercado, pelas acções da bolsa e por outros investimentos económicos.

 

Imprensa especificamente económica

Ainda nos finais dos anos 80, nasceu a imprensa especificamente económica em Espanha. O primeiro jornal a ser lançado no mercado chamava-se Expansión. Este jornal, para além de actualmente ainda existir, logra por ser o mais lido nesta área, em Espanha. É precisamente o líder de informação sobre economia e sobre a bolsa de mercados, e é também o que, dentro deste nicho, tem maior tiragem diária. Segundo a convidada, este jornal foi comprado, há já algum tempo, pelo Grupo que detém também o jornal El Mundo e, por causa desta mudança, sofreu grandes transformações. O Expansión.com, que é o seu formato online gratuito, contribui também negativamente para o decréscimo das vendas do formato impresso. O Cinco Días foi segundo jornal económico a aparecer em Espanha e pertence ao Grupo Prisa que detém também o jornal El País e a rádio Cadena SER, a rádio mais ouvida neste país. De há dois anos para cá, desde o falecimento do seu director, este jornal tem demonstrado a existência de problemas financeiros bastante acentuados, uma crise que tem conduzido muitos dos seus colaboradores ao desemprego. O terceiro jornal económico a surgir foi La Gaceta de los Negocios, que desde há cinco anos para cá se converteu num jornal generalista. Este jornal pertence ao grupo que detém também a Radio Intereconomía e está associado em Espanha à “extrema-direita”, apesar de, na opinião da convidada, a realidade não corresponder exactamente a isso. O Diario Negocio & Estilo de vida, mais conhecido por Negocios, foi o quarto jornal económico espanhol. Trata-se de um jornal gratuito que tem uma tiragem diária de 100 mil jornais e é distribuído no metro, nos cafés, nas empresas, e outros locais públicos. Elvira Calvo referiu que este jornal é muito bem feito e trata as notícias de forma aprofundada sem se tornar aborrecido ou imperceptível, pois explica de forma clara e evidente a informação especializada a cidadãos comuns. A sua abordagem recai sobre a área da economia e dos estilos de vida. O último jornal especializado em economia a surgir em Espanha foi o El Economista. Este caso tratou-se da recuperação e reformulação de um jornal dos anos 80. Segundo a convidada, trata-se de um jornal com pouco êxito que vai conseguindo sobreviver no meio. O El Confidencial é um jornal espanhol exclusivamente digital. Na opinião de Elvira Calvo, é o que melhor faz jornalismo de investigação no seu país.

 

Rádio especialista em economia

No início dos anos 90, mais precisamente em 1994, surgiu em Espanha uma rádio dedicada unicamente à economia, que passava informações sobre esta área durante 24 horas por dia. Esta rádio chamava-se Radio Intereconomia. Nessa altura, a generalidade das pessoas considerava uma loucura que uma rádio pudesse transmitir, durante 24 horas ininterruptas, informação apenas sobre esta matéria. Consideravam isso um aborrecimento e achavam que ninguém iria aguentar. No entanto, o grupo de locutores que trabalhava na rádio transformou-a num sucesso, devido à forma como transmitiam as notícias. Tornavam a informação acessível a todos os ouvintes, traduzindo e simplificando os termos difíceis usados normalmente nesta área. O êxito da Radio Intereconomia foi tão grande junto da classe média, que as pessoas começaram a consultar a rádio para saber se haviam ou não de efectuar determinados investimentos ou para saber as cotações dos valores da bolsa, entre outras coisas. A rádio transformou-se numa espécie de assessor dos ouvintes. O grupo conseguiu a adesão de um nicho importante de mercado e decidiu adquirir um canal de televisão, o Intereconomía Televisión.

 

Economia na televisão

Segundo Elvira Calvo, a informação económica alcançou, ainda nos anos 80, o seu lugar nas televisões. Surgiram programas especializados em economia, como o La Peseta ou o El Economista. Programas que na realidade pouquíssimos telespectadores viam, por se tratar de informação demasiado aborrecida. Em consequência disto, estes programas eram relegados para horários tardios ou transmitidos ao sábado de manhã bem cedo.

 

Mas um fenómeno televisivo na área da economia estava para surgir e para se difundir por vários países do mundo. Fenómeno que se veio a dever a Michael Bloomberg, actualmente um dos homens mais ricos dos EUA, que trabalhava num banco americano e na década de 70 teve a ideia de criar uma agência de informação sobre economia. Constituiu uma empresa que criou um sistema de terminais de informação que permitiam a transmissão em direto da bolsa de valores e que eram instalados em empresas como: bancos, corretoras e seguradoras. Este sistema possibilitava aos directores destas empresas manterem-se constantemente actualizados sobre as cotações das suas acções no mercado financeiro. O seu negócio prosperou, tornando-o numa pessoa muito rica. Em 1997 acabou por criar a Bloomberg Television, uma emissora de televisão com sede em Nova Iorque, especializada exclusivamente em notícias sobre economia. Este canal televisivo emitia a transmissão em direto das principais bolsas de valores do mundo.

 

A Bloomberg Television e a Intereconomía Televisión foram dois canais de televisão, que conviveram durante muitos anos em Espanha, a transmitir informação sobre economia durante 24 horas por dia. A Bloomberg Television transmitia informação “pura e dura” sobre economia e a Intereconomía Televisión era um canal mais acessível com blocos informativos em cada meia hora que resumiam a informação mais relevante do momento sobre economia, faziam consultoria e programas informativos que destacam vários sectores da área. Em 2007, a Bloomberg Television anunciou o encerramento das suas delegações no estrangeiro (Alemanha, Japão, Brasil, Espanha e Portugal) por causa da crise financeira, mantendo apenas a de Inglaterra. Espanha ficou então apenas com a Intereconomía Televisión, que pertence a um grupo de cariz muito político (do partido socialista). Segundo a convidada, nesta emissora, quando fechava a bolsa de valores e terminava a sua transmissão em directo, eram emitidos programas do partido político de “direita” sem possibilidade de debate e contraposição de ideais. Tratava-se de um canal de propaganda política que não permitia discussão ou intervenção da oposição. A Intereconomía Televisión teve muito êxito mas acabou por se transformar numa televisão generalista sem programas de informação económica. Quando tal sucedeu, para não abandonar a sua fiel audiência criou a Intereconomía Business TV que acabou por ser o reflexo da origem da primeira.

 

Alterações no panorama dos meios informativos económicos

Elvira Calvo referiu que, “a economia não decaiu” o que aconteceu foi que a internet veio alterar fortemente o panorama informativo. Cresceram os portais financeiros e os blogues económicos na web, e as pessoas deixaram de necessitar da informação transmitida na televisão (informação muitas vezes manipulada). Os cidadãos passaram a poder pesquisar e consultar a informação livremente, tendo acesso directo aos sites dos bancos ou a diversos portais onde se pode consultar os valores da bolsa em directo.

 

Formação académica em jornalismo económico

 A formação académica na área da economia, que os alunos recebem nos cursos de jornalismo, é insuficiente. A inexistência de disciplinas específicas para preparar os alunos nesta área do jornalismo, é uma realidade na generalidade das universidades. Segundo a convidada, uma das formas de colmatar esta falta nas escolas superiores de jornalismo é através da leitura diária e continuada de imprensa económica. Para Elvira Calvo, “a economia de um país é como a economia de uma casa” e o jornalista deve procurar aprender sempre cada vez mais coisas novas.

 

Quando ela acabou o seu curso de jornalismo teve que fazer uma formação extra de um ano, especificamente sobre jornalismo económico para poder trabalhar nessa área. Trabalhou durante muitos anos em jornalismo cultural e depois decidiu enveredar pela área do jornalismo económico, por ser totalmente desconhecida para ela e por ser uma área onde havia, há uns anos atrás, falta de jornalistas especializados.

 

Segundo Elvira Calvo, os jornalistas de economia mais prestigiados são aqueles que têm já uma vasta experiência profissional na área (rondam os 50 anos de idade) e, por isso, cobram muito caro pelo seu trabalho.

 

Peso da ideologia sobre a imprensa

Espanha é um país onde se sente a nítida divisão ideológica na imprensa, refletindo um jornalismo de “direita” ou de “esquerda”. Em Portugal tal não acontece. E se este factor se pode tornar interessante para os leitores, possibilitando-lhes uma leitura especializada numa área de preferência, é para os jornalistas, extremamente limitador. Segundo a convidada, em Espanha os jornalistas reivindicam mudança neste aspecto e mantém um “debate acalorado sobre isto”. 

 

Por: Lícia

 

 

publicado por líciacunha às 03:07

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