Blog de Jornalismo Especializado, Universidade Lusófona Porto

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Mai 12

Por: Patrícia Alves

 

 O jornalismo de investigação em Portugal, vem se destacando nos últimos anos, onde atuam jornalistas combativos, que buscam a construção de uma sociedade mais justa.

 

O jornalismo investigativo distingue-se dos demais géneros jornalísticos por divulgar informações sobre condutas que afetam o interesse público. As denúncias resultam desse trabalho. O objetivo final da investigação jornalística é informar o público das irregularidades públicas ou privadas, politicas, económicas e sociais. Em Portugal os jornais que mais se destacaram neste nincho foi o extinto “Semanário o Independente”, o “Semanário Expresso” e o “Semanário o Sol”.

 

A regulação da comunicação social em Portugal está prevista no artigo 39º da Constituição da República Portuguesa. A Lei nº1/99 de 13 de Janeiro é a Lei fundamental para o exercício da profissão de jornalista em Portugal. A Lei de imprensa é regulamentada pela Lei nº2/99 de 13 de Janeiro.

 

Jornalistas há mais de 20 anos em Portugal na especialidade de investigação, Felícia Cabrita e Miguel Carvalho, nestas entrevistas falam dos casos que já investigaram, da sua responsabilidade social, das suas fontes jornalísticas e dos processos judiciais que existiram contra eles, envolvidos por parte do poder político em Portugal.

 

Eles fazem uma reflexão de como está o jornalismo de investigação em Portugal, diante de uma luta constante contra o poder político, judiciário e também uma grande preocupação com a formação dos jornalistas que terminaram o curso nestes últimos anos.

 As entrevistas foram decorridas no Porto, nos meses de Março e Abril de 2012.

 

Jornalista Felícia Cabrita

 

 

Felícia Cabrita é Escritora e Jornalista do Semanário SOL, tendo trabalhado em vários órgãos de comunicação social, como o jornal Expresso, a revista Grande Reportagem e a estação de televisão SIC. A jornalista Felícia Cabrita é autora da obra “Amores de Salazar” e “Massacres em África”.

Tornou-se muito conhecida, por ter sido a primeira pessoa a denunciar, através do jornalismo de investigação, grandes escândalos nacionais, como o Ballet Rose, o caso Casa Pia, caso Freeport, caso Face Oculta e o caso Duarte Lima no Brasil.

 

 

Jornalista Miguel Carvalho

 

Miguel Carvalho é Escritor, Redator e grande Repórter da Revista Visão. Tendo trabalhado no jornal Diário de Notícias e no Semanário “O Independente”. Já investigou casos de peso a exemplo da Universidade Portucalense e Lúcio Tomé Feteira. Em 2009 ganhou o prémio Gazeta do Clube dos Jornalistas, com a investigação e reportagem sobre Joaquim Ferreira Torres: “ O Segredo do Barro Branco”. 

 

“A liberdade de expressão e o poder judiciário”

É um conceito basilar nas democracias modernas na qual a censura não tem poder nenhum. Está previsto também no artigo10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

 

O primeiro ponto da nossa entrevista, digamos que é propriamente o pano de fundo da comunicação social, foi saber de que maneira eles veem o jornalismo de investigação em Portugal e se existe realmente uma manipulação por parte do poder politico ou liberdade de expressão.

 

Felícia afirma com a seguinte frase:Está mal. Muito Mal! O mundo é mau e eu trabalho com o lado obscuro da sociedade”. O poder económico, os patrões da comunicação social estão cada vez mais aliados ao poder político, precisamente por não terem dinheiro e agora com a crise, pior. E até que ponto se vai conseguir esta independência fundamental de uma democracia que é a comunicação?”. Questiona.

 

Segundo Felícia, o antigo governo, nomeadamente o ex-primeiro ministro, José Sócrates, tentou colocar travões numa série de órgãos da comunicação social em Portugal que lhe traziam aborrecimento. A comunicação estava muito moribunda.

 

Felícia acredita que houve um rompimento no tecido da comunicação social, principalmente por parte dos alunos que entraram e saíram das universidades durante este período, neste último regime.

 

As afirmações se dividem quanto a quem começou a instituir o controlo da comunicação social em Portugal. Para Miguel Carvalho, tudo isto começou com o governo do Santana Lopes, ex- primeiro ministro que antecedeu José Sócrates.

 

Uma das suas principais preocupações quando o Santana Lopes montou o seu gabinete, foi escolher pessoas que de alguma maneira pudessem filtrar o mais que pudessem com tudo o que tivesse a ver com a comunicação e criar uma espécie de gabinete de manipulação”. Afirmou Miguel.

 

A Liberdade de expressão está intrinsecamente ligada ao poder judiciário e isto é muito preocupante. Em Portugal, enquanto os diretores da polícia, enquanto o Procurador-Geral da República forem escolhidos pelo poder político, obviamente, que temos também um sistema judicial viciante. É aquilo que tem acontecido quer em relação ao “Freeport”, quer em relação à “Cova da Beira”, quer em relação ao “Face Oculta”. Explica Felícia.

 

“Responsabilidade social e as fontes”

Na hierarquia do poder de uma sociedade, a comunicação social é o 4º poder. A função da midia é vigiar o Estado para que ele não desvie de seus propósitos originais, principalmente viabilizando o intercâmbio de informações.

 

Em 1942 é formulada a comissão pela Liberdade de Imprensa, nos Estados Unidos, a Teoria da Responsabilidade social da Imprensa (TRSI). A plataforma propôs uma agenda para a imprensa visando um sistema de jornalismo ético, à medida que estabelecia como principio central que os jornalistas estariam obrigados a serem responsáveis com o seu público.

 

A ideia permanece atual. Em 2003, os jornalistas americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel, através de um estudo sistemático e abrangente sobre o processo de recolher e apurar informação e as suas responsabilidades, reafirmaram que o princípio mais importante do jornalismo, é o compromisso com a verdade, pois o público necessita de informação ética, democrática e verdadeira para a sua própria independência.

 

No que diz respeito à “Responsabilidade social e às fontes” quando encontram um dado que pode ser denunciado, Felícia explica que “é preciso um grande trabalho, as pessoas agem por motivações, é preciso checar muito bem essa fonte e analisar processos jurídicos. Nunca se deve deitar nada para o lixo. O jornalista tem uma grande obrigação social e pública que é de fato a denúncia, mas faze-lo com liberdade, sempre na expectativa da verdade.

 

Miguel afirma: Eu não entendo essa profissão de outra maneira, sem responsabilidade social. O jornalismo no dia em que deixar de ter responsabilidade social, não é jornalismo”. Quanto às fontes: “ tomo nota de telefone até em guardanapo. Eu aprendi desde muito cedo nesta profissão, que não se trai uma fonte em qualquer circunstância, e sou muito fiel a isso.

 

Os jornalistas, Felícia e Miguel, sentem-se orgulhosos por serem jornalistas. O que, segundo Felícia, sente falta, é de diretores independentes, diretores com passado, com percurso, com independência. Corajosos. E as escolhas hoje são muito políticas e, é fácil analisar, olhando para as direções dos jornais e das televisões.

Miguel Carvalho, considera-se feliz, porque nunca quis fazer outra coisa que não fosse o jornalismo. Ele afirma que, se for preciso, trabalha até de graça.

 

LEIA A ENTREVISTA NA INTEGRA

 

Texto e Entrevista: PATRÍCIA ALVES (CIDADE DO PORTO)

 

 

 

Patrícia Alves: Quando é que vocês perceberam que queriam o jornalismo de investigação?

 

Felícia Cabrita: Formei-me em Línguas e Literaturas, mas ainda no liceu comecei a fazer jornalismo. Trabalhava no Pasquim, que era um jornal conotado com a extrema-esquerda portuguesa. Eu fazia parte da esquerda e sou anarca e assim me considero. A escrita vem comigo desde muito cedo, independentemente do curso. O jornalismo? São os casos da vida… apaixonei-me pelo jornalismo. Mal acabei o curso, já estava definido o que eu queria fazer: o jornalismo. Entro para o jornal Expresso, onde passei a maior parte da minha carreira.

 

Miguel Carvalho: A paixão pelo jornalismo vem desde criança. Em casa lia-se muitos jornais, mas nem sempre havia dinheiro para comprar todos os jornais que eu queria ler e então eu roubava (risos), jornais dos quiosques e dos vizinhos para poder ler em casa. O Jornalismo de investigação vem de uma fase, que são os acasos da vida.

 

 

P.A.: Como veem o jornalismo de investigação atualmente em Portugal?

 

F.C.: Mal. Está muito mal. Nós já tivemos excelentes jornalistas de investigação, aliás, quando me iniciei no jornalismo na década de 80, muitos deles estavam concentrados no Expresso, jornal onde eu trabalhava. É uma altura que vai coincidir, um tempo depois, com a chegada das televisões privadas: a SIC, e a TVI. O que faz algumas calorias nos jornais. Eu costumo dizer que vieram as Tv´s, que dispersaram um núcleo forte de jornalistas e depois veio o Jornal Público, que também levou muita gente do Expresso. Portanto com o tempo, as pessoas passam a ser cilindradas muitas vezes por interferência dos poderes económico e político. Há muitos jornalistas que estão fora da cilindrada por conta destes poderes políticos, posso até te dar um nome, Joaquim Vieira, que foi o meu diretor no Expresso.

 

M.C.: Eu não sei se há bem jornalismo de investigação, às vezes dá-me impressão, do ponto de vista de leitor, que algumas coisas caem nas redações, sem ser preciso fazer nenhum esforço. As fontes encarregam-se de canalizar a informação para uma redação. Mas este país teve períodos áureos de jornalismo de investigação, nomeadamente nos anos 80 e início dos anos 90, ainda havia uma geração que estava nos jornais. É uma geração muito madura para tratar de determinados temas que aprofundavam e, os jornais eram sítios onde se podia escrever sem a tal ditadura do espaço.

 

 

P.A.: A nível de jornalismo em Portugal, acham que existe liberdade de expressão?

 

F.C.: (risos) Eu acho que o poder político, quer sempre controlar a Comunicação Social e sempre provoca-la desta forma. E, com este governo, e quando eu falo deste governo, falo do ex-primeiro ministro, (eu não tenho nada contra o Partido Socialista), acho que é um problema dele. É notório, está nas escutas, uma tentativa de controlo de toda a comunicação social em Portugal.

E não é só por ser o SOL, que eles não gostavam, eles tentaram colocar travões em todo o lado, controlar o jornal Público, a SIC, uma série de órgãos da comunicação social, que lhes traziam aborrecimentos. Então isto é medonho. Na democracia a liberdade de imprensa é um direito adquirido. O que é que o jornalista tenta? Trazer sempre a verdade e a verdade é incomodativa porque é revolucionária, é com a verdade que se dão as grandes mudanças, e isto é no jornalismo como é em tudo na vida e nas revoluções. De facto, a verdade é revolucionária, e sendo revolucionária não interessa ao poder instituído. Não interessa aos poderes totalitários que querem controlar as várias liberdades que estão instituídas numa democracia e, foi isto que o antigo governo fez.

 

P.A.: Acha que  Sócrates, engenheiro e ex-primeiro ministro, conseguiu?

 

F.C.: Não conseguiu, mas queria ir mais longe. Nós estávamos praticamente isolados, ele tinha toda a gente na mão, a fazer o favor que fosse preciso, nós estivemos á beira e, tivemos uma comunicação um pouco moribunda, porque não se pode viver cinco, oito anos num regime destes, sem que algo fique terrivelmente danificado, no próprio tecido da comunicação social. Há jovens que entraram e que saíram da faculdade nesse período, influenciados por esse regime. Será que conseguem fugir disto? Deste medo que foi instituído? O poder económico, os patrões da comunicação social estão cada vez mais aliados ao poder político, precisamente por não terem dinheiro e agora com a crise, pior. E até que ponto se vai conseguir esta independência fundamental de uma democracia que é a comunicação? E a independência do patrão da comunicação social, em relação ao poder político, com a crise, se não há dinheiro com a publicidade? Vai ser pedido alguma coisa em troca? Vamos ver se as coisas vão ser diferentes com este governo. Tivemos com esse governo anterior, o defunto governo, alterações legislativas. Por exemplo, não podemos publicar escutas a não ser com autorização. Imagine que é o Isaltino Moraes e o Sócrates a dar-nos autorização para publicar escutas. Agora, como é que o jornalismo pode fazer o escrutino se lhe estão vedadas as partes processuais?

 

M.C.: (risos) No patamar europeu, Portugal não está assim tão mal. Os condicionalismos que existem hoje, são mais refinados, ou seja, digamos que há uns 10 anos, 15 anos as coisas eram mais evidentes, em termo de condicionalismo, tinha mesmo dentro das redações pessoas que te diziam “ não podes escrever isto”, eu tenho relatos. Acho que nós nunca tivemos nada parecido com a Revista brasileira, Veja. Mas, andamos lá perto. Por exemplo: O ex-primeiro ministro, anterior ao Sócrates, o Santana Lopes, uma das suas principais preocupações quando montou o seu gabinete, foi escolher pessoas que de alguma maneira pudessem filtrar o mais que pudessem, com tudo o que tivesse a ver com a comunicação e criar uma espécie de gabinete de manipulação. O Sócrates, digamos que refinou isso e houve de fato uma efetiva tentativa de controle.

 

 

P.A.: Há no jornalismo de investigação, um ponto bastante importante, que são as fontes. Vocês são jornalistas, com mais de 20 anos de carreira, tem uma boa agenda. Como se faz para gerir essa agenda?

 

F.C.: Nós temos aquelas fontes que vamos mantendo, gerindo durante o tempo, nas várias áreas, que nós vamos conhecendo e que se vão mantendo como quem se ganha uma confiança e digamos que são aquelas fontes seguras, de que nós não temos dúvidas diante de determinadas circunstâncias, que nós já conhecemos há dez, quinze anos atrás. De todas as formas, nós jornalista, não podemos esquecer, apesar de termos muita confiança nas pessoas, as pessoas agem por motivações, e o que (nós) aprendemos na escola, vocês aprendem, é precisamente a motivação da fonte, porque a fonte fala connosco. Mesmo quando existe esse grau de confiança, a fonte tem que ser sempre checada e para mim, eu costumo até dar como exemplo aos meus alunos, embora agora não tenha muito tempo para dar aulas, mas dizia que acreditar em duas fontes, é criar um fato de um acontecimento. O jornalista tem uma grande obrigação social e pública que é de fato a denúncia, mas faze-lo com liberdade, sempre na expectativa da verdade.

 

M.C.: Tomo nota de números de telefone até em guardanapos. Eu aprendi desde muito cedo nesta profissão, que não se trai uma fonte em qualquer circunstância, e sou muito fiel a isso. E há de fato um conjunto de pessoas em diversas áreas que eu posso estar dois ou três anos sem contacto, mas no momento em que pego no telefone, é como se fosse ontem. Todas as fontes têm interesse. São pessoas que confiam em mim para determinadas coisa, e telefonam e dizem, isto é para ti.

 

 

P.A.: O que o jornalista deve pensar quando está ouvindo a fonte a falar? É verdade? É mentira? Tem documentos?

 

F.C.: Temos que pensar que pode ser verdade, que pode ser mentira; temos que ouvir mais pessoas para tentar checar a informação que nos estão a dar e saber sempre que duas fontes não são o suficiente, a não ser que além de duas fontes tenhamos documentos. Mas duas fontes nunca são o suficiente. Acho que é quase criminoso quem faz este jornalismo com base em duas fontes.

 

M.C.: Sim. Sim. E tenho também muita facilidade em detetar a mentira e o que as pessoas querem ao expor determinado assunto.

 

 

P.A.: Quando estão investigando casos de peso, conseguem ser imparciais?

 

F.C.: O jornalista tem de ser sempre imparcial. Não é um mito a imparcialidade. E todos nós devemos trabalhar em fatos que se consiga partir para um trabalho virgem. Nós temos que deixar sempre que seja a investigação a tomar conta, portanto a investigação faz-se por fatos, faz-se por fontes e o nosso caminho vai mudando e mal vai o jornalista que não muda o seu trajeto conforme a investigação. Muitas vezes partimos com uma ideia formada, e depois pode surgir um acontecimento que nos muda completamente o sentido da investigação. É preciso saber lidar com isso, eu acho.

 

P.A.: Pode-me dar exemplo, Felícia?

 

F.C.: Eu não faço jornalismo político, ou seja, a minha distância com a classe política é total, eu não convivo com a classe política, não passo a vida na Assembleia da República, não estou contaminada por isso. Tenho uma vida um pouco singular, não sou sociável e acho que deve haver essa distância, sobretudo para o jornalista de investigação. Eu lido com o lado mais obscuro da sociedade e nós sabemos que lidar com o lado mais obscuro, tem a ver com os diversos poderes: políticos, económicos, financeiros, etc. Quem tem uma vida social, acaba por conhecer todas essas pessoas e se algum dia tiver de escrever sobre elas? Temos de manter distância, tem-se de viver num mundo completamente à parte.

 

M.C.: Eu acho que a imparcialidade não existe. Eu acho que é um mito. Eu prefiro uma palavra que me segue em todos os trabalhos, que é “equilíbrio”. Trabalho sobre pressão, sim e muito. Um texto tem que dar ao leitor todas as perspetivas. Agora eu não posso convencer ninguém.

 

P.A.: Há uma questão que é a responsabilidade social. A Felícia e o Miguel têm mostrado esta responsabilidade social. O que sentem quando encontram um dado que pode ser denunciado?

 

F.C.: Eu acho mal do jornalista que não atende seja quem for, com quem ele (denunciador) queira falar. Por muito que a história me pareça surreal,  com a experiência do que estamos a fazer, sou capaz de perceber logo se a pessoa me está a mentir. Consigo já com muita facilidade identificar a mentira, descartar certas pessoas. Há outras que me levaram a grandes trabalhos e que partem de denúncias, que por vezes me fazem pensar assim: o que é isto?

Portanto, é preciso um grande trabalho, checar muito bem essa fonte e analisar processos jurídicos, etc. Nunca se deve deitar nada para o lixo, mesmo a denúncia por carta, mesmo que a denúncia te traga alguns pontos que o jornalista possa apurar para dar os primeiros passos, para saber se é verdade ou se tem pernas para andar. Tudo tem que ser aproveitado e depois ou é ou não é. Mal do jornalista que pensa que pode constantemente estar a dar um pontapé no Watergate.

 

M.C.: Eu não entendo essa profissão de outra maneira, sem responsabilidade social. O jornalismo no dia que deixar de ter responsabilidade social, não é jornalismo. Não temos que ser militantes de coisa nenhuma, não temos que ser panfletários. Mas ignorar, não! Quando eu encontro um dado em que pode ser denunciado, eu não durmo, me envolve profundamente, toda a minha vida a volta desaparece.

 

 

P.A.: Em busca da denúncia da corrupção se sentem justiceiros?

 

F.C.: Não me acho justiceira. Eu sou uma pessoa que levo o meu trabalho até ao fim. Aliás quando eu acabo um trabalho, já estou noutra, já esqueci o trabalho anterior que fiz. Portanto a minha vida não é feita de prisões, aliás sou muito desprendida em tudo, dos bens materiais e não coleciono nada. Aliás quando pedem as minhas coisas, eu peço ao Joaquim Vieira, que é quem coleciona tudo, tem os jornais todos.

 

M.C.: Não me acho justiceiro.

 

P.A.: Felícia, em busca da verdade o seu papel é investigar e denunciar. Como surgiu a investigação da Casa Pia, que deu em processo judicial?

 

F.C.: Mais uma vez parte de uma denúncia, hoje já se sabe, mas na altura a fonte não queria ser revelada e não foi revelada. Mas, depois há julgamento em que sou testemunha também. E ele (denunciador) acabou por dizer que era ele, portanto hoje sabe-se que foi o Pedro Namora, advogado e ex-aluno da Casa Pia, quem denunciou o fato, que ele próprio tinha sido alvo de abusos sexuais do Carlos Silvino e que tinha conhecimento naquela altura que havia mais um menor, que estava a ser abusado. Portanto eu começo com esse menor, sem ter a mínima ideia que este caso estava perante uma rede de pedofilia. Ele tem a informação que existe um funcionário que, segundo esta fonte, já há três décadas abusava de alunos e havia um recente. Eu começo com esse, começo com a mãe desse e depois a partir daí, começo a falar com professores, pessoas antigas da Casa Pia, que vem corroborar os fatos, mas vem corroborar a nível do Carlos Silvino. A rede aparece quase no fim. Digamos da primeira investida que leva, não sei uns dois meses, e toda a gente me falava de uma Secretária de Estado que tinha a tutela da Casa Pia, na época Teresa Costa Macedo. As pessoas da Casa Pia não gostavam dela e achavam que ela era uma pessoa que estava comprometida, que apesar de várias denúncias que foram feitas, nunca agiu, antes pelo contrário, chegou a penalizar o professor Américo que fez algumas das denúncias.

  

 

P.A.: Miguel. Como surgiu a investigação sobre Joaquim Ferreira Torres, titulado: “O Segredo do Barro Branco”, que deu-lhe o prémio Gazeta do clube dos jornalistas em 2009?

 

M.C.: É uma investigação sobre um homem que foi assassinado, um politico, empresário, assassinado em 1979, Joaquim Ferreira Torres. Uma história nunca concluída, a polícia judiciária investigou por muitos anos, com interesses políticos também pelo meio e a morte dele ainda hoje ninguém sabe quem é que o assassinou e o processo está “arquivadíssimo”, prescreveu. Foi um homem, que foi um guião duma estratégia politica e empresarial antes e depois do 25 de Abril. E foi curioso. Eu desde há muito tempo que guardo tudo o que vai saindo sobre ele, quando passa a data, quando surge alguma coisa no jornal que o relembra, fui colecionando isso, sem imaginar que algum dia viesse a escrever e chegou a uma altura em que eu disse: é agora! E cheguei ao tribunal. Tive três meses a consultar o processo, com funcionários judiciais impecáveis a dizer: “ tem que procurar aqui”. E eu gostei muito do resultado. A Visão deu-me o espaço que eu queria para aquilo e o prémio teve muito simbolismo para mim, porque foi numa altura em que só a televisão ganhava prémio de jornalismo. É o prémio mais importante em Portugal, portanto não há outro. Os jornalistas decidiram premiar algo que tinha saído de uma revista, e eu entendi isso não tanto como prémio para mim, mas como prémio para muitos colegas, que por esse pais fora, também investigam e às vezes em circunstâncias bastante difíceis, locais muito difíceis e que eu fiz questão de homenagear, quando fiz o meu discurso. Este prémio também é deles. Essa foi talvez, dos últimos anos, a investigação que acho mais importante. Agora tem o Feiteira.

 

P.A.: E a investigação da Universidade Portucalense?

 

M.C.: Primeiro, foi notícia na agência lusa, de que a polícia judiciaria tinha feito uma rusga na Universidade Portucalense. E tinham-se passado dois anos e nunca mais ninguém falava daquilo. Achei estranho e comecei a falar com antigos professores e acabei por chegar ao processo que já estava numa boa quantidade de volume e tive vários dias a consultar aquele processo, em pleno “Cavaquismo”.

Nós, nos anos 80 e nos anos 90, tivemos um “boom” de universidades privadas, e acho que muitas funcionam assim. Aquilo deu para tudo, deu para o reitor se governar bem, deu para influenciarem suas vidas pessoais. Aquela Universidade (Portucalense), foi construída no maior luxo, as maçanetas da porta tem o símbolo da universidade e gastou o melhor. Foi em pleno período da governação de Cavaco Silva, que se incentivou muito aquela coisa opulenta. Muitas universidades nasceram assim. Depois havia muita coisa a verificar ali.

Muitas universidades nasceram por influência política, a exemplo da Portucalense. Muita gente ligada ao PSD, no período em que o Cavaco governou nesse país. O reitor da Portucalense, chegou a ser mandatário nacional do Cavaco, mas aquilo mete outros negócios, mete coisas pessoais, as pessoas deslumbram-se e chegam ali e veem que o dinheiro nunca mais acaba.

Mas eu fiz o trabalho do terreno antes, ou seja, falar com alunos, professores, todas as fontes. Portanto a investigação foi pura e simplesmente porque achei estranho dois anos e não há nenhumas notícias sobre a investigação. Quer dizer que a polícia entra, e dois anos depois não se sabe nada?

 

P.A.: Acham que os juízes são independentes em Portugal?

 

F.C.: A investigação “face oculta”, foi uma grande prova. No caso “Casa Pia” já se via isso, havia um controle tanto por parte do poder político, quanto do judiciário. Muitas coisas da Casa Pia e, se hoje há pessoas que não são arguidas, isso deve-se a esse tráfico de influências e isso é obvio no caso “face oculta”.

Conseguimos bater mais no lodo. Conseguimos chegar à conclusão que havia pessoas que estavam a ser escutadas pela polícia, que foram avisadas pelo topo judicial, porque eram os únicos que conheciam a matéria, e, que por isso estas pessoas mudaram de telemóveis. Temos um Procurador-Geral da República, que resolveu embrulhar um processo que envolvia na época o ex-primeiro ministro e outros. Não temos conhecimento em Portugal de uma situação destas, nem no antigo regime. Eu fiz o Processo Ballet Rose, década de 60, que envolvia a pedofilia também, no antigo regime, que envolvia também políticos ligados a Salazar, ao poder económico e financeiro e foi possível. Isto foi na década de 60, fiz este trabalho nos anos 90 e, foi possível descobrir este processo. Neste processo, mesmo viciado, quando fui buscar o processo, a polícia que investigou na altura me disse: “se você procura esse nome e não encontra no processo, é porque foi engolido”, mas havia pontes para investigar, havia o nome das vítimas, havia o nome dos suspeitos, portanto havia um processo.

 

P.A.: E no caso Face Oculta?

 

F.C.: Neste caso do ex-primeiro ministro, nós não temos nada,  porque foi queimado. Eu já não sei, pior do que isto o que pode acontecer em Portugal. Portanto esta foi a imagem mais negra do sistema judicial em Portugal e, faço aqui uma distinção: nós temos excelentes polícias, excelentes magistrados, excelentes juízes e não podemos confundir esta gente com o resto. Há um grande problema em Portugal, enquanto os diretores da polícia, enquanto o Procurador-Geral da República forem escolhidos pelo poder político, obviamente, que temos também um sistema judicial viciante. É aquilo que tem acontecido quer em relação ao “Freeport”, quer em relação à “Cova da Beira”, quer em relação ao “Face Oculta”.

 

M.C.: Alguns. Como em muitas coisas. Há bons e maus. Eu acho, eu não sei se a justiça portuguesa hoje em dia é pior ou melhor do que há 20 ou 30 anos. O que se torna evidente, é que hoje já se notam mais as falhas do sistema judiciário. Nota-se muito. Não sei se é falta de manhas, não sei se é falta de vontade, não sei se é da formação das pessoas. Mas que se nota mais as fendas do sistema, nota-se.

 

 

P.A.: Na denúncia do Face Oculta o SOL transcreveu extratos do despacho do juiz e do procurador de Aveiro responsáveis pelo caso, em que estes consideram indícios “muito fortes” de um plano, envolvendo, José Sócrates, ex-primeiro ministro, para controlar a comunicação social, nomeadamente a estação de televisão TVI. O “SOL”recebeu muitas pressões?

 

F.C.: O “SOL” recebeu pressão, foram denunciadas, e em determinada altura tivemos acesso a umas escutas, do Armando Vara com o Joaquim Oliveira, em que o Joaquim Oliveira diz: “que é preciso despedir um a um”. Para além do fato dos nossos diretores já terem recebido um telefonema político, a dizer que se eu continuasse a dizer mais notícias do “Freeport” que eles nos iam estrangular financeiramente. Portanto, nós temos cinco anos de existência e tem sido uma guerra, para sobreviver; nós sobrevivemos e eles foram. Por isso é que eu acredito que a verdade sai sempre vencedora, porque nós não estamos a lutar com uma pessoa qualquer, estamos a lutar contra os grandes poderes. O “SOL”, é um projeto vencedor, sempre apostou na verdade, nunca se assustou, nunca cedeu a ameaças.

  

P.A.:  E a investigação do caso Duarte Lima no Brasil ?

 

 F.C.: Isto é uma daquelas situações cómicas e que me dá um arrepio tremendo a viver aqui em Portugal. Quer dizer, o Procurador-Geral da República não gosta de se meter com o poder e com gente com poder e, o que se passa é que quando chega a carta rogatória, estamos numa fase fundamental. Um jornalista tem de ser consciente e um polícia também. Estamos numa fase de inquérito fundamental para uma investigação que está sobre segredo de justiça e uma carta rogatória chega a Portugal e é escarranchada na imprensa? Eu percebo perfeitamente que os brasileiros estejam podres com os portugueses. Depois recebem ainda uma resposta a dizer: explique o que é uma oitiva. Oitiva, está no dicionário português, está mesmo já no novo acordo ortográfico e neste caso os brasileiros fizeram um excelente trabalho. O Duarte Lima não colaborou com a justiça, andou sempre a mentir. Aqueles indícios todos, dos carros sobre as multas, o tapete desapareceu, o uso dos telefones descartáveis. Só os bandidos é que usam telefones descartáveis. Gostei de trabalhar com a polícia brasileira, para já gente muito trabalhadora, lá não existe o sistema do funcionário público de fechar 17 ou 18hs. Eles trabalham muito. As pessoas são esforçadas, são muito treinadas.

 

P.A.: Vocês,  trabalham de forma segura, não brincam com a vida dos outros. Tem processos judiciais contra vocês?

 

F.C.: Vários. E nunca mais acabam (risos). Eu nunca perdi um processo em tribunal e já tive dezenas e dezenas de processo. Recente ganhei o processo contra a Teresa Costa Macedo e Neste momento tirei dois.

 

M.C.: Já tive vários. Neste momento não tenho, que eu saiba. Normalmente são todos relacionados com política. Tive um processo com o Alberto João Jardim, que não deu em nada. Tive três processos do Luís Felipe Meneses, Presidente da Câmara Municipal de Gaia, que também não chegaram a tribunal. Falei dele coisas da atividade da Camara e um texto de opinião que escrevi no site da visão, chamado “Menezismo”. Praticamente desde o início da minha carreira que eu conheço bem o percurso do Luís Felipe Meneses. Nessa coluna fazia uma espécie de historial do percurso dele. No caso dele foram dois processos por notícias e reportagens que eu fiz e um por opinião, de resto muitas ameaças. E agora ele quer ser Presidente da Câmara do Porto, e tem um jornal a ajuda-lo que é o Jornal de Noticias que faz campanha para ele. Afirma Miguel.

 

 

P.A.: Quanto à biografia já se arrependeu de fazer alguma e porquê?

 

F.C.: Há uma biografia que eu fiz, que se fosse hoje pensava duas vezes, que foi a biografia do nosso rei D. Duarte. Ele não tem a responsabilidade política que outras pessoas têm. No fundo ele é um bom homem, teve a infelicidade de nascer naquela família e portanto, tinha que ser Rei. Ele não tinha jeito nenhum para aquilo, mas eu não ia tratar de forma diferente. Desde pequenino estudou no colégio militar, onde tradicionalmente é um colégio para filhos de militares, mas onde também, tradicionalmente os filhos dos reis são educados. Colocam-no lá para que ele faça esse percurso todo, portanto ele tem a vida traçada desde menino. O homem para ginástica era uma desgraça, queria montar a cavalo, caía do cavalo; chegou à tropa, quis tirar cursos de piloto, porque ficava bem para um príncipe ser piloto. Portanto aquilo era um desastre, que eu tratei com ironia, mas má não fui.

 

 

P.A.: Miguel. Como surgiu a investigação do Lúcio Tomé Feteira e que hoje está em livro?

 

M.C.: Primeiro fui a Vieira de Leiria, através da Revista Visão, para perceber quem era o homem que estava por detrás daquela fortuna toda. Quando eu cheguei a Vieira de Leiria, eu disse: espera aí, a história não é propriamente o crime que vitimou Rosalina Ribeiro, mas a história deste homem.

Uma das coisas que mais me espantou nas minhas investigações sobre ele, foi que ao nível da investigação histórica e ao nível das universidades não havia nada escrito. E o homem foi de fato importante. Financiava, deu golpes contra a ditadura, financiou uma data de revolucionários, com tanta influência politica em todos os lugares em que passou. No Brasil, durante a ditadura Vargas, Feiteira teve tudo o que quis. A história de vida dele explica esta disputa da herança e não propriamente a investigação sobre o crime. Para perceber tudo o que está a acontecer hoje, estas disputas e o que deu a origem ao crime é preciso conhecer a vida dele e ainda hoje estou completamente obcecado.

Quanto às dificuldades, estamos a falar de um homem que viveu quase 100 anos, e não há muita gente viva que o tenha conhecido. No Brasil tinha mais documentação em arquivos sobre ele, principalmente no Jornal do Brasil, do que aqui. Cá não há. Não fui ao Brasil, fiz toda a investigação por e-mail, telefone e contatos dos jornais do Brasil. Em Vieira de Leiria passei três semanas a viver lá, contatando parentes e pessoas que o conheceram. A única dificuldade foi com a Olimpia, filha de Tomé. Esta não quis falar nada.

 

P.A.: A Felícia tem bastante bom humor, as pessoas que dizem mal da Felícia é porque se incomodam com o seu trabalho, por conta dos lados obscuros. Os inimigos por parte: os de gabarito (políticos e empresários). Isso a incomoda?

 

F.C.: A mim me incomodava muito este trabalho se eles fizessem os crimes todos no mesmo dia, para nós descansarmos, era tudo (risos). Nada me incomoda, dá-me vontade de rir, a não ser que atinja outras pessoas da minha família, como já me aconteceu, aí sou capaz de me enervar. A minha carreira é feita pela quantidade dos inimigos que eu tenho. Daí poderá dizer muito da sociedade portuguesa. 

 

 

P.A.: Orgulham-se como jornalistas?

 

F.C.: Tenho muito mais orgulho em ser jornalista do que ser diretora. O que falta neste momento, o que foi na minha década, a década do ouro do jornalismo, é exatamente diretores com passado, com percurso, com independência. Corajosos. E hoje há muito pouco diretor assim. E as escolhas são muito políticas e é fácil analisar olhando para as direções dos jornais e das televisões.

 

M.C.: Eu costumo dizer, e sempre quando vou a alguma escola “eu trabalhava de graça.” foi sempre o que eu quis fazer. Eu fiz um curso de rádio durante 5 meses. Ainda tenho esse bichinho da rádio, ainda gosto. Eu posso me considerar feliz porque eu nunca quis fazer outra coisa que não fosse o jornalismo. O meu primeiro livro de jornalismo foi o manual do Peninha, da Disney. Manuais editados pela Disney nos anos 70, só há no Brasil. Foi aí que eu conheci tudo sobre o jornalismo do Brasil. Este manual era muito didático.

 

 

Patrícia Alves

Patrícia.cabral.ja@hotmail.com

 

publicado por patriciaalves às 20:26

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